21 de julho de 2010

Pensando com a bílis ou Sugestão de mensagem para o CVV...

sem tempo para escrever Sicilio Rocco posta algo para brincar, não se matem crianças...

Se te queres matar, porque não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por actores de convenções e poses determinadas,
O circo polícromo do nosso dinamismo sem fim?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
Talvez, acabando, comeces...
E de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar...


Fernando Pessoa, ou melhor, Álvaro de Campos, esse é o cara!

12 de julho de 2010

Povo bom é o povo morto!


A classe média vive distante do povo: geograficamente, economicamente, profissionalmente, ideologicamente.

Não quer dizer que não tenha contato com o povo, pelo contrário, ela pode morar perto, ter um nível de renda não muito distante e estar no mesmo ramo de atuação (em outra posição logicamente...), mas o fato é que existe uma distância, percebida pelo nas roupas, na fala, no tipo de assunto, cor de pele e outros coisas mais ou menos sutis.

A distância faz do povo um desconhecido para a classe média e na “ausência” do povo real surgem idealizações mil sobre quem seria essa entidade: “o povo”. A imaginação da classe média sobre o povo é marcada pelo distanciamento e certo remorso de classe, pois no fundo a classe média sabe que vive bem às custas do povo. Além disso, existe sempre um sentimento de superioridade por parte da classe média.

A classe média é um bicho esquizofrênico, com a mente bipartida, metade esquerda, metade direita. São partes que se encontram dentro de cada indivíduo da classe média; às vezes uma predomina, às vezes outra, na maioria das vezes ambas convivem contraditoriamente dentro da pessoa.

O lado direito é mais simples. Discriminação, humilhações, desprezo total pela cultura popular, subestimação da inteligência alheia, pena de morte para os pobres mal comportados e um pouco de caridade pode resumir a atitude desse lado. Para o lado direito o povo é uma “classe perigosa”, os “feios, sujos e malvados”.

O lado esquerdo é mais complexo, me interessa mais. Nele o remorso de classe é consciente e impulsiona atitudes mais benevolentes para com o povo, ele procura focar nos aspectos positivos e luta contra os “preconceitos” do lado direito. O lado esquerdo é “cidadão”, socialista muitas vezes, embora sejam, sempre, classe média.

Nessa relação classe média / povo, um aspecto chama muito minha atenção: a música; até porque a música é tida e havida como elemento definidor da nossa brasilidade.

O lado esquerdo da classe média venera a música popular. Mas como a classe média é distante do povo real ela venera a idéia de música popular que ela mesma construiu. E como a idéia de povo do lado esquerdo é muito boa, a música popular legítima só pode ser muito boa, deve ser muito boa.

Mas há um grande problema. Quando a classe média olha a música que o povo faz e ouve ela não gosta da maioria das coisas: o forró do “cãozinho dos teclados”, o Calipso, o pagode da periferia e o funk dos bailes são absolutamente abomináveis para a classe média! A classe média condena tudo neles, da musicalidade às letras, da dança ao jeito de se vestir.

Certamente isso não representa todo o gosto musical do povo brasileiro mas devemos reconhecer a expressiva a “popularidade” desses ritmos, independente do gosto musical e do juízo de valor de cada um de nós. E isso é um problema tremendo para a classe média, pois ela idealizou em seu “lado esquerdo” um povo “legítimo” “raiz”, bem distante das perversões do funk, do calipso e do pagode. Eis que então aparece uma solução mágica! Essas “perversões musicais” passam a ser encaradas como “imposições da mídia” e da indústria musical que corromperiam a pureza da verdadeira cultura popular. Assim, de uma tacada só, o povo é inocentado (sujeito inerte...) de culpa por essas músicas repugnantes e a burguesia insaciável é culpada por desgraçar a cultura popular.

Eis que surge então, como um super-herói para salvar o povo, o lado esquerdo da classe média! Sim, essa classe média assumirá a missão histórica de ensinar ao povo qual é a verdadeira cultura popular! Afinal, essa cultura “raiz”, a única cultura popular legítima, precisa ser “resgatada” e devolvida ao povo; e assim, a classe média ataca de Adoniram contra o Só prá contrariar, Luis Gonzaga contra Frank Aguiar, Toni Tornado contra a Gaiola das Popozudas. Desnecessário (ou necessário?) dizer o quão arrogante é essa postura professoral da classe média, postura de classe dominante.

Se repararmos bem, foi a classe média quem inventou a Música Popular Brasileira, M.P.B., uma sigla, uma marca que carimba o que é digno ou não de ser chamado de popular. O engraçado é que os autores eram (e são ainda!) quase sempre da classe média, o público é quase sempre da classe média, os lugares onde se apresentam de classe média. Seria a música popular? Mesmo sem músicos e ouvintes do povo?  Eles insistem em se chamar de Música Popular Brasileira! Ao menos a musicalidade é legitimamente popular? Pode ter certa inspiração na raiz popular, mas é algo um tanto diferente.

Lembro dos relatos de Zé Ketti e Cartola sobre os primeiros contatos com gente da Bossa Nova. Longas viagens de ônibus, o estranhamento com a zona sul do Rio, Tom Jobim e Vinicius mandando algum funcionário comprar cachaça e cerveja: só bebiam whisky, tocavam jazz americano e queriam misturar um pouco de samba na coisa. Relato exemplar que explica um pouco essa coisa que virou a “M.P.B.”, um rótulo que serve de barricada contra as perversões populares que insistem em se reproduzir contrariando os cânones do que deve ser o popular.

É curioso como quase tudo que a classe média admira na cultura popular pertence ao passado, já repararam nisso? São sempre culturas, tradições e músicas do passado, quase extintas, que se tornaram objeto de curiosidade, de estudo.

Talvez exista algum estudo (e se não há é uma boa sugestão) sobre a atitude da classe média com a música popular nas diferentes épocas. Pelo que sei a classe média sempre repudiou a cultura popular que era contemporânea, e sempre passou a admirá-la depois de morta, “empalhada” e devidamente absorvida tempos depois.

Os comentários da classe média sobre o samba nas primeiras décadas do século invariavelmente condenavam a “malícia” e a “sensualidade”. “Formosa”, palavra que ouvimos em vários sambas do passado, hoje parece uma termo até requintado. O passado tem esse poder de envernizar de requinte uma palavra que “traduzida” para hoje seria algo como - Gostosa. Enfim, há uma infinidade de sambas e forrós que deveriam soar tão sexualmente agressivos aos ouvidos puristas daquela época como alguns funks de hoje em dia que chocam o lado esquerdo da nossa classe média, tão ciosa das tradições. Seriam eles neo-reacionários? Dá o que pensar...

Um dos resultados da cultura popular da classe média é a existência de diversos barzinhos e botecos que tocam o que se considera a legítima música popular, inventaram a algum tempo o termo “samba de raiz”, termo que não diz nada sobre o estilo de samba, apenas que é “de raiz”, “das antigas”. O curioso é que nesses lugares o povo real comparece quase sempre minoria ou como músico. O preço é meio salgado, enfim, o lugar ´”é de bacana”, embora toque a verdadeira música popular, a tal “de raiz”, para a classe média obviamente.

O problema do lado esquerdo da classe média é que seu ideal de povo não pode ser maculado, o povo deve ser bom. É como se ele tivesse medo de reprovar algo no povo e suscitar seu lado direito, reacionário.

Simbolicamente a classe média mata boa parte do povo real, que gosta de “podreiras”, esse povo não tem direito à cultura, tudo para que o povo ideal seja puro, seja raiz, um povo imaginário que a classe média produz para ela mesma cultue esses valores e se sinta menos burguesa.

A parte direita da classe média quer a pena de morte, quer o zé povinho que ousou roubar e sair de seu lugar morto. A parte esquerda da classe média exige do povo uma “cultura popular” que não existe mais, que só existe num povo do passado, morto e enterrado.

É como se dissessem: - Tirem daqui essa música pervertida e massificada pela mídia! Eu quero o povo morto e ideal, o povo legitimamente popular! Eu tenho medo e nojo desse povo real, degradado pelo funk, pelo pagode, pelo forró! Se esse for o povo, talvez o lado direito esteja certo, ele é mesmo deplorável...

Ironicamente uma sentença pode unir estas duas partes da esquizofrênica classe média: “povo bom é povo morto!”

PS: A idéia do texto é refletir sobre o tema, pessoalmente gosto tanto de coisas que podem ser enquadradas como "raiz" - sem precisar de justificativas ideológicas - e de coisas que podem ser enquadradas como "podreiras" - sem a menor vergonha na cara.

6 de julho de 2010

Desabafo de um político corrupto


O PETARDO publica uma carta aberta recebida de um deputado federal que se diz cansado de acusações injustas.

Carta aberta aos eleitores hipócritas

Sou deputado federal e ando cansado de acusações injustas por parte da sociedade, ainda mais em ano eleitoral quando a mídia repercute mais essas queixas infundadas.

Não agüento mais o discurso de que roubamos, somos corruptos parasitas, vivemos às custas da sociedade, pensamos apenas em nossos interesses privados e não temos preocupação pública.

Por isso resolvi escrever e desabafar, mesmo correndo risco de ser um político “impoliticamente correto”. Faço isso porque sou um político consciente, ao contrário da maioria de meus correligionários.

Não pense que vim aqui me defender ou desmentir nenhuma acusação: vim é acusar e revelar a hipocrisia da sociedade.

Estranho para você? Me acompanhe e entenderá.

Eu, como a maioria, nasci e fui criado numa sociedade capitalista, competitiva e que preza muito a realização do indivíduo. Logicamente todo indivíduo nessa sociedade precisa de dinheiro para realizar seus desejos e se tornar uma pessoa mais feliz. Foi pensando nisso meus pais me educaram, e agiram para que minha formação educacional e moral me habilitasse a conseguir dinheiro na sociedade.

Com certeza eu ouvi ensinamentos sobre a ética, a honestidade, a cidadania, o espírito público e coisas do gênero. Mas sempre me garantiram que meus interesses privados de alguma forma gerariam benefícios públicos. E assim, concentrei-me apenas nos meus interesses, em ganhar dinheiro da forma mais fácil e rendosa possível, pois esse seria o passaporte para a felicidade. Sou um típico individualista, como muitos nessa sociedade.

Eu poderia tentar ganhar dinheiro de várias formas; poderia ter sido comerciante, industrial, especulador, banqueiro, ladrão de banco, traficante, alto funcionário público concursado, publicitário, jogador de futebol ou artista. Poderia até mesmo ser um simples trabalhador bem sucedido. É um grande leque de possibilidades e cada um de nós escolhe o caminho que lhe parece melhor para trilhar. Eu escolhi a política, simplesmente porque oferecia boa remuneração e não exigia trabalho árduo. Além disso eu tenho vocação para o ramo.

Até aí nada me diferencia de você. Fui tão ambicioso quanto qualquer outro. Se eu tivesse talento com a bola talvez fosse jogador, mas não tenho e só me diferencia do jogador o caminho em busca do dinheiro que proporciona uma vida melhor.

Ocorre que a profissão de político tem uma particularidade. Tecnicamente ela parece ser uma profissão a mais, com os deveres a cumprir que toda profissão implica. Mas na verdade ela é bem diferente.

Eu existo porque você delega a gestão da sociedade para alguns membros remunerados. Se essa delegação feita num passado tão longínquo foi pacífica ou forçada pouco me importa. O fato é que a sociedade manteve essa delegação até hoje e nada indica que irá alterá-la.

Você está tão preocupado com seus problemas individuais, com sua vida particular que não sobra tempo para pensar e agir nas questões coletivas, sociais. Você se acostumou a isso, se especializou tanto em certas tarefas que debater e decidir sobre questões como saúde, educação, orçamento, transporte, entre outros é uma grande chateação. Afinal, ter preocupações coletivas é uma contradição absurda numa sociedade individualista. Por isso você terceirizou o social e me paga bem para cuidar dele.

Pois bem, é desse estado de coisas que eu vivo e enriqueço. Você que não participa de nada, que não toma parte em nada, no máximo resmunga, e só tem coragem no mundo virtual. É você mesmo que cede o espaço que eu ocupo, é você que me entrega o imposto que eu ganho como salário (razoável até...) e que me entrega a verba que eu desvio também...

Você já parou para pensar nos absurdos que diz sobre mim? Você, que como eu nasceu e se educou numa sociedade individualista, pretende que eu me preocupe com problemas coletivos? Quantas vezes você fez isso na sua vida? Você participa de algum movimento, seja no bairro, no trabalho, na escola? Eu sei que não, você só reclama, você não troca sua vidinha confortável, embora explorada, por nenhum sacrifício em causas coletivas, você nem acredita mais nelas na verdade.

O máximo que você faz é ir a algum ato de vez em quando (se for...), reclamar no bar, escrever algo na internet sem se arriscar. Mas participar de algo regularmente não, arriscar sua liberdade não, arriscar sua medíocre profissão não, arriscar seu cotidiano tranqüilo não. Por isso eu existo!

Falar mal dos políticos! Muitos vivem dessa catarse social. Jornalistas, acadêmicos e artistas até ganham a vida com isso. Os ouvintes e leitores sentem-se vingados. E todos juntos seguem sem nada fazer. Hipocritamente dizem que a crítica pode ser um começo para ação! Sabem que não, que quase sempre é tudo catarse, é mudar no discurso o que não se pode mudar na prática.

A crítica da política é um cachorro correndo atrás do rabo. A sociedade sabe o que os políticos fazem, mas é mais fácil trocá-los do que participar. É mais fácil se iludir sonhando com políticos honestos e corajosos do que reconhecer que quase nada mudará pela própria política. É preciso ser hipócrita porque a verdade doída é que o comodismo da sociedade nos referenda, nós os políticos. É como se a sociedade toda, submersa na corrupção do individualismo exigisse desesperadamente que os políticos fossem uma espécie de elite de integridade e preocupação pública. Como se pudesse emergir pureza da lama.

A política espelha a má consciência da sociedade. É isso que incomoda: a corrupção da política reflete uma sociedade em que cada se preocupa apenas com seus interesses. A perversidade invisível dos roubos do mercado torna-se visível com a política. A verdade é que a sociedade não quer se ver representada na política, imagina que a política corrompe a sociedade quando ela na verdade apenas traduz uma realidade.

Quando a sociedade insiste em negar que a política seja sua imagem refletida, ela reafirma as mesmas formas da política atual. A cada quatro anos acalenta o sonho de que trocando pessoas tudo poderá mudar. Depois vem a síndrome do corno, como se a traição dos políticos eleitos não fosse o resultado óbvio, como se o traído não contribuísse para a traição.

Mas isso tem sua razão. Insistir no sonho e na traição é a solução mais cômoda para quem está tão pré-ocupado com sua própria vida que não tem outra solução a não ser delegar e esquecer.

Quando você me condena, em nome do interesse público, você reclama o seu interesse individual: seu poste de luz, seu asfalto, seu ônibus, seu remédio; pois o seu “interesse público” é seu, e essa bela palavra só serve para você afirmar seu interesse individual.

Veja como somos parecidos! Eu me elejo em nome do interesse público e você reclama em nome do interesse público, mas nós dois, estamos buscando somente o nosso interesse individual.

Eu na verdade sirvo a você! Eu, político, permito que você, que é omisso e inerte, deposite sobre mim a culpa pelas mazelas e siga sem nada fazer. Eu permito que você siga sua vidinha de merda e pense que cumpriu sua obrigação cidadã teclando numa urna a cada 2 anos. Eu existo para que você possa aliviar sua consciência.

Eu me exponho na berlinda, humilhado publicamente como supra-sumo da sujeira para que você se sinta limpo. Que preço isso tem? E você espera que eu não cobre por isso?
Você entregou o galinheiro à raposa! Não condene minha fome.

Eu não deveria escrever essa carta, deveria deixá-lo feliz com seus resmungos de comadre fofoqueira que nada faz. Para mim seria mais cômodo, eu aqui, ganhando bem legalmente e ilegalmente, você aí, se fudendo e resmungando.

Mas com essa carta eu ponho fim à hipocrisia. E você? Vai reagir hipocritamente, seguir me criticando e sonhar com um novo eleito? Ou vai se calar, cuidar da sua vida e parar de encher o saco? Uma coisa me parece certa: você não será capaz de fazer nada.

3 de julho de 2010

DOIS LOGROS DO EDUQUÊS: O «APRENDER A APRENDER» E AS «COMPETÊNCIAS»

 Sicilio Rocco não pretende ficar reiventando a roda e posando de original. Então publico abaixo um texto que apareceu no blog do português Francisco Trindade "Anovis Anophelis" sobre o vazio de algumas "pedagogias" da moda.

1. Ensina-se, supostamente, a «aprender a aprender». Mas não se ensinam os conhecimentos que os alunos precisam de aprender. Ensina-se, supostamente, a «aprender a aprender» matemática. Mas o que é preciso mesmo é aprender matemática.

O «aprender a aprender» tornou-se moda por soar bem e prometer o «milagre» de se poder aprender tudo sem ter de se aprender nada.

O eduquês substitui o que importa ensinar pelas técnicas e métodos que supostamente permitiriam aprender tudo sem esforço.

Dois exemplos reveladores do logro:

Se eu pretender recrutar um tradutor de inglês, não indagarei se os candidatos sabem «aprender a aprender», mas se sabem, pelo menos, inglês e português.

Se a Carris precisar de um motorista, não perguntará aos candidatos se sabem «aprender a aprender», mas se têm carta de condução e experiência de conduzir.

2. As «competências» são outro logro, que engana o incauto porque a expressão tem um significado próprio que o senso comum instantaneamente apreende e valoriza. Mas o que é um indivíduo competente? Alguém que adquiriu e domina conhecimentos e técnicas e é capaz de os aplicar no exercício eficaz de uma função. Haverá alguém competente, seja no que for, sem conhecimentos?

O que será uma competência em Filosofia Medieval? Só pode ser o conhecimento do pensamento dos filósofos da época e do contexto em que foi elaborado. O que exige tê-los estudado, dominar o latim, grego, história, etc. E ser competente em física quântica? E a cozinhar uma boa caldeirada?

Também o candidato a um curso universitário de Física deverá ter adquirido os conhecimentos que permitem responder à exigência de aprofundamento e especialização que pressupõe. Não chegará que saiba «aprender a aprender», pede-se-lhe que já tenha aprendido muito.

3. Importante não é o modo como se ensina e aprende, mas o que efectivamente se ensina, aprende e exercita. E é só o aprender muito que potencia a capacidade para aprender mais e diferente.

O método é um «caminho». As técnicas e meios de ensino devem ser adoptados e mesmo construídos em função das matérias e dos alunos. A pedagogia é uma disciplina respeitável, mas auxiliar, não é o objectivo do ensino.

4. Ora, como a pedagogia parece ser o único conhecimento que os «especialistas» da educação supostamente dominam, valorizam-no até ao rídiculo, garantindo, assim, o poder e o emprego.

É esse o programa dominante na maioria dos cursos de formação de professores, que lançam no ensino vagas de docentes, grande parte sem poderem ensinar nada, por saberem muito pouco do que deveriam ensinar.

Mas como o Ministério da Educação é controlado pelos mesmos que os «formaram», fica tudo em casa, isto é, a escola e a «avaliação» não podem deixar de ser o que, com raras excepções, são.

Se o leitor quiser saber até que ponto o rei vai nú, peça a um desses novos docentes, ou a um dos pobres bons professores a quem é imposta a cartilha, um exemplo de uma «competência». Aposto que será: a «leitura de um horário de comboio»…

Refeito do choque, pergunte, a seguir, como se avalia a competência em História, Física, Electricidade…

4. O «aprender a aprender» e as «competências» são um pico da pedagogice, logros que servem ao eduquês e aos «especialistas» para que não se ensine, não se aprenda, nada possa ser avaliado.

São , afinal, manifestação da desvalorização relativista do conhecimento e do professor, da aversão rousseauniana aos «saberes letrados», supostamente origem da desigualdade e da desarmonia social. Tornar todos iguais, é o projecto inconfessável do eduquês. Mesmo que para isso seja preciso condenar todos à ignorância, à boçalidade e à miséria.

Todos?

Texto de Guilherme Valente saído no "Expresso" de hoje


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