Aqui vai uma das boas crônicas do santista, jabaquarense e xisnoveano Plínio Marcos
O Bereco era do devagar. Não queria nada com o batente. Seu negócio era sinuca. E nisso ele era cobra. De taco na mão, fazia embaixada. Conhecia os trambiques do jogo e sabia como entrutar o parceiro. Então, estava sempre com a bufunfa em cima. Sabe como é o lance. Sempre tem um panaca pra desconhecer o nome do mandarim. E o Bereco ajudava. Se vestia como um Zé Mané qualquer. Neca de beca legal. Isso espanta o loque. O babado era se fazer de besta. Tirar onda de operário trouxa, desses que dão um duro do cacete de sol a sol, se forram de prato feito e na folga vão fazer marola em boteco.
Daí, sempre tem um malandrinho pra tomar os pixulés do otário. Se fazer passar por coió era o grande trambique do Bereco. Com essas e outras, ele engrupia até muito vagau escolado. Até no Bar Seleto de São Vicente, ponto certo dos grandes tacos do mundo, o Bereco deu esse deschavo. E grudou. Pensaram que ele era pão-ganho e ele tomou o sonante dos pinta. E assim o Bereco ia remando seu barco em maré mansa. Só ganhando. Um pato atrás do outro era depenado. Sem dó. Que, nas paqueras da vida, é cada um pra si. Até que um dia aconteceu um esquinapo. Era fim de mês. Dia de pagamento da Refinaria de Petróleo. O Bereco, que estava por dentro, se picou pro Cubatão. Se plantou num salão dos bordejos da refinaria e ficou na moita.
Logo foi baixando a freguesia. Tudo de capacete de lata. A patota estava contentona, de envelope no chorro. E o Bereco só espiando o lance. De vez em quando, tirava um paco de nota pra pagar uma Coca-Cola. Era a milonga. Logo, um capacete de lata mais afobado se assanhou com o dinheiro do majura. Sentiu a muquinha pega e quis tomar. Mediu o Bereco e foi no chaveco do pinta. O capacete de lata tinha um joguinho enganador. Desses que funcionam em mesa de sindicato. Mas levou fé em si e nenhuma no Bereco.
Encarnou no moço: — Como é, parceiro? Quer fazer um joguinho? O Bereco não deu pala: — Não jogo nada. O capacete de lata cercou: — A leite de pato. O Bereco deixou andar: — Se é brinquedo, vamos lá. E começou o jogo. O Bereco sentiu o parceiro e tirou de letra. O capacete não sabia nada. O Bereco deu o engano. Os primeiros dez mirréis, os segundos e os terceiros, o Bereco empurrou pro trouxa. E se fez de bronqueado. Partiu pros vinte, pros cinqüenta e pros cem mil. O capacete de lata estava se deitando. Era seu bilhete premiado. Com o dinheiro que ganhou do Bereco e o seu ordenado, já tinha um milheiro no porão. Daí, o Bereco selou: — Ou tudo ou nada.
O capacete de lata nem balançou: — Um milhão na caçapa. Todo mundo de botuca ligada na mesa. O capacete de lata saiu pela cinco. Errou. O Bereco se tocou que o xereta estava nervoso. Teve que maneirar. Cozinhar o galo. Senão, ia ficar escrachado o perereco. Errou na cinco, que estava cai, não cai. E o joguinho ficou de duas muquiranas. Só na bola da mesa. O Bereco não embocava. Só colhia as mancadas do capacete de lata. Se o bruto metia uma três, o Bereco fingia que era sem querer e deixava uma sinuca de bico pro inimigo. E na catimba do Bereco e no virador do capacete de lata, o jogo foi comprido paca. Os sapos nem chiavam. Seguravam as pontas.
Era tudo torcedor do capacete de lata. Trabalhadores da refinaria. Mas o Bereco nem estava aí. Já contava com o dinheiro da caçapa. Aí chegaram na bola sete. Só a sete estava na mesa. E o jogo estava por ela. O Bereco, folgado, muito à vontade, encostou a negra na parede. O capacete de lata tremia, suava. Estava com o motor batendo acelerado. Fez mira. Começou a pensar que tinha quatro filhos no seu chatô, aluguel de casa, rango, escola, remédio e os cambaus. Pensou no que ia dizer pra mulher. Com a cabeça cheia de minhocas, deu na cara da bola. Uma chapada. A negra rolou pra um lado, a branca, pra outro. O capacete de lata sentiu um alívio. Pelo menos acertou na bola.
Mas o recreio durou pouco. Quando as bolas pararam, a sete estava na boca da botija. Pedindo pra cair. E a branca, no meio da mesa. Ninguém, por mais cego que fosse, errava aquela bola. O Bereco sorriu. Deu a volta na mesa devagar. Bem devagarinho. Enrustido, sem dar bandeira, ia gozando as fuças dos otários. O capacete de lata só faltava abrir o bué. Deu a volta e ficou atrás da caçapa em que a bola ia cair. O Bereco deu uma dica de leve: — Vai secar? O capacete de lata quis falar, mas não deu. Se engasgou. O Bereco não se flagrou no olhar do panaca. Se tivesse visto as bolas de sangue nas botucas do capacete de lata, ia ficar cabreiro. Não viu e fez a presepada. Passou giz no taco, com calma. Se ajeitou na mesa, com calma. Aí, levantou a mira.
Viu a bola branca, a sete, a caçapa, atrás da caçapa um revólver quarenta e cinco e, atrás do revólver, o capacete de lata. O Bereco quis saber: — Que é isso, meu compadre? O capacete de lata espumou, babou e resmungou: — Se meter essa bola, eu te mato. O Bereco viu logo que era jura. Se fechou em copas. Deu na bola de esguelha, o taco espirrou. Raspou na sete e as duas ficaram na berba da caçapa. Coladas. O Bereco fingiu que não havia nada. Deu a treta: — Ficou pra você, compadre. O capacete de lata guardou o revólver, a raiva e tudo. Foi de cabeça. Deu no taco e bimba. A branca e a negra mergulharam juntas. O Bereco ficou só olhando. As lágrimas correram dos olhos do capacete de lata. Estava tão por baixo que não dava pra pegar a arma e aprontar o salseiro. Só deu um lamento: — Tenho quatro bacuris. O Bereco fez que não escutou.
Recolheu a grana e saiu de fininho. O capacete de lata saiu logo atrás. Ninguém se mexeu. Passou um tempo e veio o estouro. Meio mundo foi ver as rebarbas. No meio da rua, o capacete de lata estava estarrado. Tinha o revólver na mão e uma bala na orelha. Se acabou. O Bereco só teve pena de nunca mais poder dar grupo em trouxa do Cubatão. Perdeu um grande pesqueiro.
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