7 de agosto de 2010

Uma Brahma! Bem geladinha!


Ele não era mendigo e muito menos um dos bêbados e malucos que andavam pelo Saboó. Era um biscateiro como se dizia, vivia de bicos, ora consertando um encanamento, ora ajudando numa obra, sempre pegando um trabalho aqui e outro ali, sempre sem paradeiro profissional. A vida toda fora assim, preferia isso a ter emprego fixo, trabalhar todo dia, ter patrão ...

Pagava um preço por isso. E sabia muito bem disso. Ás vezes enchia o bolso numa semana e antes de chegar o domingo o dinheiro lhe escapava entre os dedos, juntar era raro, comprar algo para garantir o futuro mais ainda. Mas tinha sua casa, sem escritura, sem nenhum papel, mas todos sabiam que era dele e não havia conta de aluguel, luz ou água para pagar.

Apesar da pobreza nunca dispensou sua cerveja. Encostava no balcão e o braço já parecia acostumado àquele movimento de apoio, devia haver uma espécie de calo sob o braço do Xaíco, tal o número de vezes em que aquele movimento foi repetido. Sempre pedia Brahma, nunca marca inferior, nem superior. Acostumou-se a isso. E acrescentava ao dono do boteco: - Bem geladinha! e devolvia bravo se estivesse mais ou menos.

Vivia assim desde moleque. Estava com 43. Sem mulher, sem saber direito onde viviam os 4 filhos que fizera pelo mundo. O trabalho já não aparecia como antes. Anos atrás chegava a fugir dele, mentia dizendo que tinha pego outros serviços e passava dias até semana toda curtindo praia vez por outra. Mas agora a coisa era outra, o trabalho já não aparecia e ele não tinha muito ânimo de procurá-lo, nunca teve e já estava velho demais para mudar, era o que dizia.

Sem trabalho comia um dia na casa de um, outro dia na casa de outro. Não tinha gastos. Mas faltava o da cerveja. Mas... – Dinheiro... dinheiro não tem ... era o que costumava dizer.

Luizito como sempre fez parava nos botecos, encostava no balcão e com a mesma naturalidade de sempre pedia – Uma Brahma! Sempre acrescentando ... Bem geladinha!

A Brahma vinha, bem geladinha, ele bebia o primeiro gole com aquele prazer que somente os bons bebedores conhecem, aquele prazer do primeiro gole em dia de calor. Bebia uma, às vezes duas ou três, mas não passava disso. Depois saia caminhando devagar.

Não pagava mais.

Das primeiras vezes os donos de boteco da área pensaram que era simples esquecimento, mas não gostaram nem um pouco. E a coisa seguiu. Xaíco chegava e falava – Uma Brahma! Bem geladinha!
A Brahma chegava, ele bebia e ia saindo, sem mais nem menos, nem pedia prá pendeurar, como se beber umas cervejas fosse uma espécie de direito inerente ao ser humano, devia constar na Declaração Universal dos Direitos do Homem...

Os donos de boteco da área começaram a se enfezar - E aí Xaíco! Não vai pagar? Ele olhava e respondia tranqüilamente – Dinheiro não tem...e saía caminhando no seu passo de sempre. Um ou outro perguntava se ele queria pendurar, mas Xaíco só respondia – Não adianta porque... dinheiro não tem...

Isso seguiu por cerca 4 meses. Xaíco revezava os botecos. Cada dia num diferente, mas não deixava de ir a cada um do bairro pelo menos uma vez na semana e continuava pedindo – Uma Brahma! Bem geladinha!

Um dia Xaíco sumiu. Acharam o corpo dele peneirado por 11 balas de uma pistola. Diz a lenda que antes de morrer não suplicou, não correu e nem prometeu pagar. Pediu que o deixasse realizar seu último desejo – Uma Brahma! Bem geladinha! E avisou antes desta vez - Dinheiro não tem ...

O sensível homem que iria realizar o serviço esperou pacientemente que ele bebesse toda a garrafa. Depois conferiu a arma, destravou e soltou azeitona. Saiu tranquilo, pensando no que iria receber e e na Brahma – bem geladinha! - que iria tomar, ali perto mesmo, mas para ele agora – Dinheiro tem sim...

Dizem que quando o corpo de Xaíco chegou no IML, logo ali no Saboó, atrás da favela do Pantanal, um dos empregados gritou - Chegou mais um presunto! Outro, que conhecia o Xaíco respondeu: - Bem geladinho? E os dois caíram na gargalhada.

OBS: Essa história quem me contou foi um grande camarada, morador da área, que assim como Xaíco, encerrou expediente na terra.

1 comentário:

  1. Conheci muitos Xaicos da vida, na quebrada, por todo Brasil, este tipo de parabola e muito comum.
    Conheci um Xaico que de fato nao morreu, porem, foi parar na Igreja Universal, sempre digo, gostava muito mais de ti quando era cachaceiro.

    ResponderEliminar

o comentário está sujeito a moderação