Outro dia, num debate no rádio, escuto um famoso ator reclamar dos políticos que ganham muito, trabalham pouco e quase sempre são corruptos.
Ele falava do dinheiro público de todos nós - sociedade que trabalha e paga impostos - indo para o bolso de políticos tão desonestos e desprovidos de ética. Reclamação banal, incontestável em si, senso comum total.
O ator não estava sozinho, discutiam com ele sobre a “ética na política” o jornalista, âncora do programa, e um executivo de grande empresa. Todos diziam mais ou menos o mesmo sobre os políticos, sobre a corrupção no Brasil e tentavam imaginar soluções para se alcançar a tal “ética na política”; faziam o papel de “cidadão consciente”.
De repente, eu que ouvia distraidamente o debate, reparei que todos eles – ator famoso, jornalista e executivo – deviam pertencer à chamada “classe média alta” e ganhar lá seus R$10 mil por mês, senão mais.
O debate era sobre os políticos e facilmente todos chegaram à condenação desses parasitas, que representam o Estado explorando a sociedade. Mas, mudando de foco, porque eles que ganham mais ou menos o mesmo que os políticos não se sentem em momento algum explorando a sociedade?
Eles teriam uma resposta pronta e fácil para isso. Os políticos são “funcionários públicos”, são pagos com “nossos impostos”, eles deveriam trabalhar para a sociedade e na verdade a exploram. Já o ator, o jornalista e o executivo trabalham para empresas privadas, é de lá que tiram seus rendimentos, eles não recebem dos impostos da sociedade e ninguém tem nada com isso. Uma resposta pronta, típica da superficialidade do senso comum, perfeita para tranqüilizar a consciência dos que ganham muito bem. Os 3 sentem-se bons cidadãos, politicamente corretos, condenam os políticos e vivem uma vida muito boa de “classe média alta”.
Essa linha de conduta, adotada pelos 3 debatedores cidadãos, trata as desigualdades da sociedade mais ou menos como uma corrida na qual os competidores estão separados por raias. Na vida, como na corrida, existem os que estão na frente, os intermediários e os que ficaram para trás. O primeiro colocado não tem nenhuma relação ou culpa pela situação do último colocado. O máximo que se pode fazer é oferecer um treino melhor para que os últimos avancem. Muito confortável para as consciências.
Eu prefiro outra, mas simples e incômoda. Uma gangorra, em que os dois lados estão umbilicalmente ligados, e o de cima só sobe levantado pelo de baixo. Traduzindo toscamente para o mundo real: qualquer rico é rico às custas de pobres, de muitos pobres. E como a sociedade não é composta apenas pelos seus extremos, qualquer um que ganhe “mais ou menos bem”, o faz às custas de outros.
Para que você tenha uma noção o salário médio no Brasil gira em torno de R$1208,64 (http://www.cut.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=11170&Itemid=170)
E o “PIB per capita” anual, ou seja, a riqueza total do país dividida entre a população é de U$10 mil por cabeça, cerca de R$18 mil, que divididos em 12 meses dariam cerca de R$1500,00.
(http://www.indexmundi.com/pt/brasil/produto_interno_bruto_%28pib%29_per_capita.html)
Não estou aqui propondo salários iguais para todos e nem vou entrar em discussões tecnicistas sobre os valores de salário. Basta dizer que o nível de desigualdade de salários e rendimentos não tem sustentação em qualquer critério baseado no trabalho das pessoas. O que define as diferenças é a melhor ou pior posição no mercado, aliada à sua situação de explorado ou explorador, nesse caso de sócio maior ou menor nessa exploração. Esqueça competência, estudo, dedicação, acredite: eles pesam bem menos do que os fatores acima.
O fato é que há uma grande maioria ganhando menos do que esses valores e uma minoria ganhando bem mais do que isso. E o simples ato de se localizar no lado de cima pode constranger algumas pessoas. A simplicidade chocante de raciocínios do tipo “- eu vivo muito bem porque muitos pobres vivem muito mal!” gera exige elucubrações e de cegueiras mil.
São poucos os que dizem simplesmente “- Sou rico às custas dos outros mesmo, e daí? O mundo é assim! eles que se fodam”. Confesso que admiro a franqueza deles, é preferível à hipocrisia dominante.
O jornalista pode dizer que não explora ninguém, quem lhe paga é uma pessoa mais rica ainda, o dono da rádio – Que mal tem se eu pedi R$10 mil e ele aceitou? O ator famoso idem, quem lhe paga é uma grande rede de TV.
Para o executivo da grande empresa é um pouco diferente. Ele quase sempre sabe quanto paga para a maioria dos trabalhadores que realmente produz. E sabe que eles ralam, tanto ou mais que ele, que sem a exploração deles seu salário nem existiria, ele nada produz, ele “gerencia” o que os outros produzem.
Ele também sabe que o programa de rádio do jornalista e a novela do ator famoso só estão no ar porque são bancados pelas propagandas que sua empresa faz na média. É ela que no final das contas paga as contas de toda a mídia. Ele sabe mais. Sabe que a propaganda é somente um recurso para vender as mercadorias e realizar os lucros de uma produção feita por trabalhadores. E ele sabe que se todos fossem justamente pagos pelo que realmente fazem não haveria lucro.
Dito de maneira simples: a exploração do trabalho permite produção de mercadorias e os lucros; que permitem os altos salários dos executivos; que permitem que ele vá ao teatro prestigiar o ator famoso.
Para vender suas mercadorias e realizar os lucros a empresa gasta em propaganda no rádio e na TV. Ela permite que se pague bem para quem mantém os ouvintes e telespectadores interessados; e assim, por relações muito indiretas e muito reais, o jornalista e o famoso ator são na verdade sustentados pelos trabalhadores.
Assim como jornalista, o ator e o executivo são todos os que trabalham como acessórios dos verdadeiros ricos e recebem deles uma razoável recompensa. Professores, advogados, médicos, personal trainers, decoradores, cabeleireiros, artistas, enfim todos aqueles que prestam serviços aos ricos e por isso ganham lá seus R$4 ou R$5 mil recebem uma cota da exploração do trabalho alheio, são parasitas menores.
Mas isso tudo exige estabelecer tantas relações invisíveis que elas ficam parecendo apenas uma grande elucubração de Sicilio Rocco, que obviamente será descartada para o bem das consciências cidadãs de um jornalista, de um ator famoso e um grande executivo.
Admitir essa realidade invisível e incômoda mostraria a nossos 3 debatedores que eles não muito diferentes dos políticos que malham feito Judas. A diferença é que a sacanagem dos políticos é visível, é ilegal, e por isso torna-se o alvo catártico de uma boa parte da sociedade.
Ninguém é obrigado a abrir mão de privilégios nessa sociedade, ainda mais se estão dentro da ordem legal e são moralmente aceitos pela sociedade. Mas não me venha você que ganha lá seus 4 ou 5 mil reais, que vive da exploração e que causa a exclusão, com papinho de “cidadania”, “consciência”, “ética”, “ecologia” e outras baboseiras que você usa para aliviar a consciência enquanto perpetua esse mundo. Admita: você vive sua vida muito bem e o resto que se foda! Aproveite enquanto pode e não reclame dos ladrões.
Porque o político deveria ser exemplo de virtude pública numa sociedade dominada pelos vícios privados? O político não é pior do que o jornalista, do que o grande ator e do que o executivo de grande empresa, todos procuram o "seu" e vivem do alheio, saibam disso ou não.
Informação de última hora:
O ator famoso já produziu filmes e peças de teatro de gosto duvidoso, financiadas com dinheiro público e leis de incentivo fiscal. O jornalista tem empresas estatais entre os patrocinadores de seu horário, aquele mesmo onde ele denuncia os enormes gastos com propaganda feito pelos malvados políticos. O executivo não revela, mas sua empresa sonega impostos e apóia campanhas eleitorais de alguns políticos.
q papo é esse rocco, quer dizer q agora só quem é explorado são os trabalhadores do ramo produtivo?!?!
ResponderEliminartodos os outros trabalhadores (jornalistas, professores, advogados, médicos, personal trainers, decoradores, cabeleireiros, artistas) agora são "parasitas menores"?!?! os mesmos q possuem somente a força de trabalho pra sobreviver, agora vivaram "colaboradores" (como gostam de dizer os patrões).
o louco rocco! heheheh
viajou!
abr
victor
Oi Vitor,
ResponderEliminarOs jornalistas, professores, advogados e outros dos quais falei (não generelizo para todos!) podem até possuir apenas sua força de trabalho, mas recebem salários e renda bem diferentes de um explorado, eles recebem uma parte dos lucros obtidos pelos patrões na exploração, por isso são "sócios menores", que eu chamaria de parasitas menores.