28 de setembro de 2011

Em setembro...

Em setembro...

Hoje foi um dia daqueles.

Acordei, lembrei que faz exatamente 1 ano que me separei (deve ser isso, não me lembro o dia exato...).

Pouco tempo depois toca o telefone. Era um amigo de São Paulo; com uma voz meio embargada pergunta se eu já soube... Lá vem merda pensei eu...e veio: - O Redson do Cólera morreu de ontem pra hoje...Dali prá frente não prestei muita atenção em mais nada, fiquei numa paralisia que não deixou a tristeza pela coisa vir à tona.

Passei o dia digerindo essa má notícia. Não era amigo dele, no máximo nos trombamos em alguns rolês trocamos poucas palavras, mas não é isso que importa.

Quando morre alguém que faz um som do caralho sentimos como se fosse alguém muito próximo, porque realmente seus sons estiveram muito próximos de nós. Prá quem tem 37 como eu e passou a curtir punk na virada 80 pros 90 o Cólera significava muita coisa; fez parte da minha vida e continuava fazendo.

Morre um pouco de nós e com a morte o tempo nos avisa que ele passa prá quem foi e prá quem ficou.

Nesse último ano, um período que começou num setembro negro da minha vida, ouvir Cólera ajudou muito a me sacudir e tocar em frente. Na reta final prá entregar um trampo, cada minuto era importante, à medida que o prazo acabava eu tinha que dormir menos, de 8 horas caiu pra 6, prá 4, prá 2 horas; até que nos últimos 3 dias fiquei direto acordado, na base de café, pó de guaraná e muito Cólera no máximo. Como perdi um pouco a noção da hora os vizinhos reclamavam um pouco quando ligava “Viaduto” e “Medo” as 3h da manhã...mas me ajudou muito. Acabei até usando um trecho de “Medo” nos agradecimentos do trabalho...

Enfim, um banda do caralho tem o poder de animar em diversos momentos da vida e eu só posso agradecer ao Cólera e ao Redson porque mesmo sem saber é gente que deu a mão e me empurrou... prá frente.

Prá mim, entre todas as bandas punks brasileiras, e porque não dizer entre tudo de brasileiro que eu já vi ao vivo, era o melhor dos shows. Devo ter ido a uns 10 sons do Cólera, não me lembro de nenhum com menos de 3 horas: energia pura, intensidade, velocidade, quase sempre com o público cantando a maioria das músicas. Os caras tocavam como quem está fazendo o que há de melhor na vida, com uma garra no palco que poucos tem.

Faz 10 dias fui num som deles em Santos (deve ter sido um dos últimos ou o último quem sabe...) Fazia uns 4 anos que não ia em nenhum. Em Santos fazia muito tempo que não vinham, a última deve ter sido no Monte Serrat, das antigas...

Como sempre foi do caralho, mais de 3 horas de som sem intervalo, começou às 3h terminou com o dia claro, 6h e pouco. Lá pelas 5 e pouco o Redson fala – Oh! Agora é sério galera! São as últimas 4... Mentiu: foram umas 10...

Isso se resume tudo.

5 de janeiro de 2011

Poema amargo de ano novo adocicado


Esse mar de Santos, de água turva,
areia fina e escura suspensa n’água,
que mesmo quando limpo,
sempre parece sujo;

Esse mar que tanta bosta já reciclou,
que tão maltratado já foi,
mas que resiste,
e apesar de tudo,
torna os dias melhores
e nossa vida mais leve;

Desse mar velho de guerra vou abusar,
pedir um favor a mais:

Tu que já levou tanta bosta pra alto mar,
leva essa bosta do meu 2010,
essa que um dia comi como carne nobre,
essa que terminou como matéria podre.

Só mesmo o mar prá dissolver essa bosta,
e prá vida reciclar.

E assim prometo em 2011,
deixar-lhe oferenda melhor.



31 de outubro de 2010

O resultado eleitoral ou a realidade não é irrelevante!



Dias antes da eleição encontrei uma turma de amigos e entre eles estava um que eu não via há tempos devido as atribulações da vida. Anos atrás participamos juntos de organização de esquerda e militamos muito próximos.

Depois de algumas cervejas e de papo rolando o assunto passou pela política e pelas eleições. Quase todos da mesa, éramos meia dúzia, se consideram de esquerda e todos da mesa, sem exceção iriam votar na Dilma. Esse amigo riu e confessou que temia ser massacrado quando nos informasse sobre sua pretensão de votar na Dilma.

Anos atrás votávamos nulo, defendíamos um processo de mudança profundo que se faria por fora da via eleitoral e estávamos de fato engajados até a alma nessa militância. Votar na Dilma e no PT seria absurdo naquela época. Afinal havia outro caminho em construção e ele parecia promissor, mesmo com todos os problemas.

Éramos parte daqueles que antes de 2002 pensávamos que a eleição de Lula - mesmo que votássemos nulo e criticássemos as limitações do PT - era algo positivo pois serviria para “queimar um cartucho”, frustrar expectativas populares de mudança, enfim habilitar novas opções de esquerda. E nós, claro, estaríamos inscritos, à nossa maneira, para oferecer um novo caminho às pessoas.

Era mais ou menos isso que pensavam o PSTU, os que fundaram o PSOL, os que tentaram construir (e ainda tentam...) novas alternativas ao esquema PT/CUT.

Passados 8 anos de governo Lula as decepções populares não vieram, ou pelo menos não vieram na intensidade que se esperava. As massas não correram para a esquerda, nos deixaram falando sozinhos. A tal “esquerda radical” e os movimentos onde atuam estão, salvo raras exceções, em crise, estagnadas, rachando, regredindo; seja eleitoralmente, seja socialmente.

O problema me parece muito simples: Lula e o governo petista não decepcionaram a massa popular, pelo contrário, a população mais pobre percebe uma melhoria significativa em suas vidas e isso se reflete na absurda aprovação do governo e de Lula, bateu na casa dos 85%, segundo os especialistas nesse tipo de pesquisa é algo inédito. Em terra de cego quem tem olho é rei...

Essa esquerda radical, da qual eu e os amigos reunidos no bar fazíamos parte (alguns ainda fazem, outros fazem em pensamento...ou gostam de se imaginar assim...) tinha entre suas convicções a idéia de que o PT e o PSDB não tinham diferenças relevantes. PSTU, PSOL, PCO, PCB, enfim a esquerda que disputou essa eleição, ainda defende isso, o que talvez explique seu pífio desempenho eleitoral e influência social.

Quando dizíamos que as diferenças eram irrelevantes havia um termo oculto na frase: irrelevante perto do que seriam verdadeiras mudanças “estruturais”, “profundas”, e uma série de outros termos que se usam para indicar mudanças próximas de uma ruptura radical com a ordem capitalista.

Traduzindo: as mudanças reais e objetivas na vida das pessoas são “ilusões”, “abstrações” comparadas a algo que só existe em nossos objetivos escritos no papel e nos desejos e sonhos de nossas mentes. Enfim, a realidade material seria irrelevante e nossas idéias e utopias sim seriam representativas da verdadeira realidade oculta pelas aparências. E isso passava e ainda passa por análise materialista para muitos.

O povo estaria enganado e confundido pelas aparências falsas de um salário que duplicou, de um desemprego que caiu para menos de 1/3,  por um estômago melhor abastecido, pela casa própria. Quantas ilusões.

Esse raciocínio é facilitado pelo fato de boa parte dos militantes dessa esquerda radical ser oriundos da classe média e não tem como sentir individualmente a experiência de mudança objetiva que representou o governo Lula.

Essa eleição apresentou uma grande novidade ainda mal dimensionada. O caráter de classe da votação de Serra e Dilma. Em qualquer região que se tome como amostra os mais pobres votaram em Dilma e os mais ricos em Serra, ainda não encontrei exceções. Vejam no link abaixo a votação por região em São Paulo: uma periferia “vermelha” contrasta com os bairros ricos “azuis”:


Nem mesmo nas duas eleições de Lula, com todo simbolismo operário e classista, os pobres votaram tanto no PT. Por outro lado, a classe média mais ética deixou de votar no PT assustada com sua corrupção pragmética, migrou para o PSDB, para Marina, e até para o PSOL. As maiores votações dos “socialistas” do PSOL são nas regiões de classe média e não nos bairros operários ou de periferia.

Essa configuração é a prova cabal de que uma mudança objetiva foi sentida pela população e traduzida politicamente no voto. Chamemos essa mudança como quisermos: migalhas, assistencialismo, bolsa-esmola, pouco importa: o fato é que foi relevante o suficiente para gerar um novo cenário.

E na reta final da eleição um novo fato veio colocar a cereja no bolo. O desespero do PSDB levou Serra a uma opção inteligente e reacionária. Como quebrar o “classismo” do voto? Como mudar o voto de um pobre que sente que a vida melhorou e vota em Dilma? Mudando o foco e mobilizando o que há de mais atrasado no senso-comum popular: a bosta da religião. Foi o jeito de ganhar voto de crentes e católicos, fazendo o debate regredir à Idade Média. Foi nojento, compreensível; mas ao mesmo tempo foi um reconhecimento de que era preciso mudar o terreno da luta eleitoral, fugir de um campo onde o PT jamais perderia.

Essa guinada à direita do PSDB teve um efeito colateral inesperado. Muitas pessoas de esquerda, que odeiam Dilma e o PT, fazendo uma crítica à esquerda, começaram a aderir espontaneamente no voto em Dilma; porque a PSDB mostrou que as diferenças não eram tão “irrelevantes” assim. Não foi o PT quem se mexeu à esquerda no segundo turno, foi o PSDB que se moveu à direita e com isso trouxe setores da esquerda para Dilma, sem que ela nem mesmo os chamasse. Diversos setores de esquerda terminaram, ainda que tímida e envergonhadamente, apoiando Dilma sem que negociassem nada, sem que o PT acenasse com nenhum tipo de compromisso programático mínimo à esquerda. Vieram sem serem chamados diante do perigo potencial de Serra virar o jogo. Por fim, reconheceram que a realidade era relevante.

Acho que isso explica um pouco a meia dúzia de amigos no bar votando em Dilma. Não há empolgação, não há ilusão, não há adesão militante. O que há é um reconhecimento da realidade, de mudanças que foram sim significativas, com todas as limitações “estruturais” que existam.

Pior do que isso, é o reconhecimento que pelo menos nesse momento histórico, a esquerda falhou em construir uma alternativa real. Lógico que há enormes esforços e muita luta sincera, mas o problema é sempre o tamanho disso, o poder de intervenção social. E nesse momento o peso social é quase insignificante. É triste, é duro, mas reconheçamos humildemente, é a verdade. Melhor admitir a realidade do que criar uma bolha de especulações esquerdistas e repetir aos quatro ventos que a luta segue muito bem, avança.

A realidade, a estúpida realidade, é muita justa, ela nos ignora na mesma medida que nós a ignoramos. Não é ela a irrelevante, somos nós e nossas tolas ilusões os irrelevantes.

4 de outubro de 2010

Números da eleição prá se pensar: abstenção e o tamanho da “esquerda”


Um em cada quatro eleitores não votou em ninguém

Se somarmos voto nulo, voto em branco e abstenções chega-se a cifra de 25,19% de eleitores que não escolheram ninguém. O maior percentual foi o de abstenções, mais de 18%. Vejam os dados:

·         eleitorado apurado 135.802.735 (100,00%)
·         eleitorado não apurado 1.698 (0,00%)
·         total 111.192.908
·         votos válidos 101.589.387 (74,81%)
·         votos brancos 3.479.332 (2,56%)
·         votos nulos 6.124.189 (4,51%)
·         abstenção 24.609.827 (18,12%)

Talvez esteja aí parte da explicação do segundo turno. Se metade dos que se abstiveram tivesse votado, seguindo a mesma distribuição dos votos, Dilma estaria eleita. Mas provavelmente seus eleitores, apesar de serem simpáticos a candidatura, não se empolgaram o suficiente para ir até a urna.

Abstenção e Voto Nulo

Para os que defendem o voto nulo a abstenção também sugere outra idéia, óbvia. O voto nulo foi pro espaço com advento da urna eletrônica. Acabou a liberdade de escrever o que se bem entende num pedaço de papel. Quem quer votar nulo hoje em dia tem que ter certos conhecimentos e realizar um procedimento totalmente sem graça e protocolar. Com a urna eletrônica boa parte da população sente vergonha de votar nulo, a pessoa se sente burra, como se “errasse na máquina”.

Por fim, os partidos perceberam que podem capitalizar o voto nulo com os Tiriricas da vida. Ou ele não é a encarnação do Cacareco, do voto de protesto, da crítica à “palhaçada”?. E assim, o sistema minimizou, tornou sem graça e capitalizou o voto nulo. O “voto nulo” em Tiririca elegeu mais uns 3 ou 4 pilantras nada nulos.

Para quem deseja protestar talvez o melhor caminho seja a simples abstenção: dá menos trabalho e depois basta você ir até o cartório eleitoral e acertar as coisas, a multa é irrisória (pelo menos até agora...tomara que eles não abram o olho...se é que já não abriram...) e você pode ir até dois meses depois sem nenhuma fila. Eles te reabilitam e legalizam, precisam de você de novo na próxima eleição.

Uma esquerda minguando...

Falo de PSOL, PSTU, PCB e PCO. PT e PV não são esquerda, são apenas o que existe, fala sério!

Tudo bem que prá mudar um país não devemos seguir critérios eleitorais, não é preciso 50% mais um prá mudar as coisas. E aí velhos argumentos como – Quem muda o mundo foram sempre as minorias! podem confortar a esquerda.

Mas sejamos francos: não é a maioria que muda, mas também não são seitas quase invisíveis. Vejamos os números finais para Presidente:

DILMA
PT
47.649.079
46,91%
46,91
JOSÉ SERRA
PSDB
33.130.514
32,61%
32,61
MARINA SILVA
PV
19.636.000
19,33%
19,33
PLÍNIO
PSOL
886.800
0,87%
0,87
EYMAEL
PSDC
89.346
0,09%
0,09
ZÉ MARIA
PSTU
84.609
0,08%
0,08
LEVY FIDELIX
PRTB
57.958
0,06%
0,06
IVAN PINHEIRO
PCB
39.134
0,04%
0,04
RUI COSTA PIMENTA
PCO
12.206
0,01%
0,01

O PSOL ficou abaixo de 0,9%. Fez uma campanha sincera, mas o resultado é desalentador. Heloísa Helena teve cerca de 6% na última eleição e a maioria de seus votos migrou prá Serra no segundo turno. Eram os votos “éticos” da classe média. Nessa eleição eles foram direto prá Marina e Serra e deixaram Plínio como o “velhinho engraçado”, porém inofensivo.

PSOL, PSTU e PCB nem mesmo conseguiram sair numa mesma chapa consumidos por disputas “internas” (embora pelo tamanho dos partidos não exista muito “dentro” nesse caso...) E o PCO... bem o PCO ...o que é o PCO...uma piada pronta saída de um museu de arte do “realismo socialista”.

O resultado é que o PSTU perdeu do Eymael, O PCB e PCO perderam do “aerotrem” do Levy Fidelix!

A votação do PSTU, 0,08%, não elege nem deputado; a votação do PCB, 0,04%, e do PCO, 0,01%, nem vereador; e a esquerda toda mal ultrapassou 1 milhão de votos. Perdeu dos brancos perdeu dos nulos. É uma esquerda menos que branca, menos que nula. E o pior é que isso é sério.

Não se trata de um “erro tático”, do tipo – Se saíssemos juntos seria diferente! Porque não mudaria grande coisa. O debate entre os candidatos da esquerda reuniu menos de 50 pessoas, e metade deveria ser de jornalistas.

Muitos vão resmungar e dizer que eu estou medindo as coisas por critérios eleitorais-burgueses, como se houvesse uma grande força social e política em todos esses partidos que não pôde se revelar nas eleições. Façam o que quiserem, sigam tapando o sol com a peneira.

Há algo de podre nesse reino da Dinamarca que não vai parar de feder enquanto não for encarado. Quem tem medo de mexer na podridão que tape o nariz e siga como está, o odor só piora com o tempo e você se torna parte dele cada vez mais.

Por hoje é isso, a maldita frieza dos números numa segunda feira nublada e quase chuvosa.

23 de setembro de 2010

A "liberdade de expressão" e a mídia

Um breve comentário sobre o tema, que se misturou ao debate eleitoral.

A mídia está fazendo uma enorme gritaria cada vez que se fala, muito timidamente, em controle da sociedade ou se relembra que a TVs e Rádios são concessões públicas.

Lula foi extremamente tímido sobre a questão da mídia ao longos dos últimos 8 anos, talvez pensasse sem mexer com a mídia teria um foco a menos de oposição, caiu do cavalo como se vê.

Se o governo apenas aplicasse os critérios que já existem na lei de concessão pública de TVs e Rádios provavelmente a maior parte da mídia não teria seus prazos de concessão prorrogados. Isso sem mexer em nada na lei. 


Mas obviamente, a mídia que é tão legalista quando trata de greves e ocupações de terra, veria a aplicação de fato do controle legal sobre a concessão pública como um "atentado à liberdade de imprensa".


Ora, a lei brasileira, certa ou errada, prevê controles, contrapartidas, exige imparcialidade, direito de resposta, presença de programação nacional, enfim uma série de itens que são solenemente ignorados em nome de uma "liberdade de imprensa", que para a mídia parace se situar acima da lei. E o governo que insinuar cumprir a lei será certamente taxado de "ditadura".


Seria o caso de sugerir então uma radicalização da liberdade de imprensa: que tal o fim das concessões de Rádio e TV e a liberdade total para que qualquer grupo pudesse trasmitir e disputar as frequências (supondo que fosse tecnicamente possível) de rádio e TV? Você poderia colocar seu programa na TV aberta em cima da frequência da Globo que tal essa liberdade de imprensa?


Nâo é preciso imaginar muito a reação da grande mídia, basta ver o chilique das grandes rádios diante das rádios comunitárias, que eles chamam de "piratas". Aí eles não gostam da liberdade de imprensa e reclamam que o Estado aplique rigoramente a lei. Dizem que derruba avião, criam "disque-cagueta" para forçar a Polícia Federal a agir; enfim, defendem seu "latifúndio midíático".


Se é assim, então paremos de hipocrisia. Ou se democratiza a mídia de verdade e aí sim podemos falar em liberdade de imprensa, ou isso é apenas discursinho politicamente correto dos latifundiários da mídia, que defendem a "sua" liberdade de expressão, que aliás está totalmente fora dos marcos legais atuais.


É provável que estejamos vivendo o início de uma "venezualização" da grande mídia. ABERT, ANJ e similares estão se colocando, explicitamente, como a "voz da oposição" para ocupar o lugar da direita tradicional falida. 

O que vimos até agora talvez seja pouco perto do que virá no mandato de Dilma. É muito provável que a atitude eleitoral da mídia esteja focada não apenas na eleição, mas numa estratégia de desgaste prévio da futura presidenta. Talvez apostando que, diferentemente de Lula, uma onda de denúncias possa ensejar um processo de impeacheament sem grande reação popular.


É uma perspectiva pálpavel a meu ver.














































 

24 de agosto de 2010

Pela bola sete

Aqui vai uma das boas crônicas do santista, jabaquarense e xisnoveano Plínio Marcos

O Bereco era do devagar. Não queria nada com o batente. Seu negócio era sinuca. E nisso ele era cobra. De taco na mão, fazia embaixada. Conhecia os trambiques do jogo e sabia como entrutar o parceiro. Então, estava sempre com a bufunfa em cima. Sabe como é o lance. Sempre tem um panaca pra desconhecer o nome do mandarim. E o Bereco ajudava. Se vestia como um Zé Mané qualquer. Neca de beca legal. Isso espanta o loque. O babado era se fazer de besta. Tirar onda de operário trouxa, desses que dão um duro do cacete de sol a sol, se forram de prato feito e na folga vão fazer marola em boteco.

Daí, sempre tem um malandrinho pra tomar os pixulés do otário. Se fazer passar por coió era o grande trambique do Bereco. Com essas e outras, ele engrupia até muito vagau escolado. Até no Bar Seleto de São Vicente, ponto certo dos grandes tacos do mundo, o Bereco deu esse deschavo. E grudou. Pensaram que ele era pão-ganho e ele tomou o sonante dos pinta. E assim o Bereco ia remando seu barco em maré mansa. Só ganhando. Um pato atrás do outro era depenado. Sem dó. Que, nas paqueras da vida, é cada um pra si. Até que um dia aconteceu um esquinapo. Era fim de mês. Dia de pagamento da Refinaria de Petróleo. O Bereco, que estava por dentro, se picou pro Cubatão. Se plantou num salão dos bordejos da refinaria e ficou na moita.

Logo foi baixando a freguesia. Tudo de capacete de lata. A patota estava contentona, de envelope no chorro. E o Bereco só espiando o lance. De vez em quando, tirava um paco de nota pra pagar uma Coca-Cola. Era a milonga. Logo, um capacete de lata mais afobado se assanhou com o dinheiro do majura. Sentiu a muquinha pega e quis tomar. Mediu o Bereco e foi no chaveco do pinta. O capacete de lata tinha um joguinho enganador. Desses que funcionam em mesa de sindicato. Mas levou fé em si e nenhuma no Bereco.

Encarnou no moço: — Como é, parceiro? Quer fazer um joguinho? O Bereco não deu pala: — Não jogo nada. O capacete de lata cercou: — A leite de pato. O Bereco deixou andar: — Se é brinquedo, vamos lá. E começou o jogo. O Bereco sentiu o parceiro e tirou de letra. O capacete não sabia nada. O Bereco deu o engano. Os primeiros dez mirréis, os segundos e os terceiros, o Bereco empurrou pro trouxa. E se fez de bronqueado. Partiu pros vinte, pros cinqüenta e pros cem mil. O capacete de lata estava se deitando. Era seu bilhete premiado. Com o dinheiro que ganhou do Bereco e o seu ordenado, já tinha um milheiro no porão. Daí, o Bereco selou: — Ou tudo ou nada.

O capacete de lata nem balançou: — Um milhão na caçapa. Todo mundo de botuca ligada na mesa. O capacete de lata saiu pela cinco. Errou. O Bereco se tocou que o xereta estava nervoso. Teve que maneirar. Cozinhar o galo. Senão, ia ficar escrachado o perereco. Errou na cinco, que estava cai, não cai. E o joguinho ficou de duas muquiranas. Só na bola da mesa. O Bereco não embocava. Só colhia as mancadas do capacete de lata. Se o bruto metia uma três, o Bereco fingia que era sem querer e deixava uma sinuca de bico pro inimigo. E na catimba do Bereco e no virador do capacete de lata, o jogo foi comprido paca. Os sapos nem chiavam. Seguravam as pontas.

Era tudo torcedor do capacete de lata. Trabalhadores da refinaria. Mas o Bereco nem estava aí. Já contava com o dinheiro da caçapa. Aí chegaram na bola sete. Só a sete estava na mesa. E o jogo estava por ela. O Bereco, folgado, muito à vontade, encostou a negra na parede. O capacete de lata tremia, suava. Estava com o motor batendo acelerado. Fez mira. Começou a pensar que tinha quatro filhos no seu chatô, aluguel de casa, rango, escola, remédio e os cambaus. Pensou no que ia dizer pra mulher. Com a cabeça cheia de minhocas, deu na cara da bola. Uma chapada. A negra rolou pra um lado, a branca, pra outro. O capacete de lata sentiu um alívio. Pelo menos acertou na bola.

Mas o recreio durou pouco. Quando as bolas pararam, a sete estava na boca da botija. Pedindo pra cair. E a branca, no meio da mesa. Ninguém, por mais cego que fosse, errava aquela bola. O Bereco sorriu. Deu a volta na mesa devagar. Bem devagarinho. Enrustido, sem dar bandeira, ia gozando as fuças dos otários. O capacete de lata só faltava abrir o bué. Deu a volta e ficou atrás da caçapa em que a bola ia cair. O Bereco deu uma dica de leve: — Vai secar? O capacete de lata quis falar, mas não deu. Se engasgou. O Bereco não se flagrou no olhar do panaca. Se tivesse visto as bolas de sangue nas botucas do capacete de lata, ia ficar cabreiro. Não viu e fez a presepada. Passou giz no taco, com calma. Se ajeitou na mesa, com calma. Aí, levantou a mira.

Viu a bola branca, a sete, a caçapa, atrás da caçapa um revólver quarenta e cinco e, atrás do revólver, o capacete de lata. O Bereco quis saber: — Que é isso, meu compadre? O capacete de lata espumou, babou e resmungou: — Se meter essa bola, eu te mato. O Bereco viu logo que era jura. Se fechou em copas. Deu na bola de esguelha, o taco espirrou. Raspou na sete e as duas ficaram na berba da caçapa. Coladas. O Bereco fingiu que não havia nada. Deu a treta: — Ficou pra você, compadre. O capacete de lata guardou o revólver, a raiva e tudo. Foi de cabeça. Deu no taco e bimba. A branca e a negra mergulharam juntas. O Bereco ficou só olhando. As lágrimas correram dos olhos do capacete de lata. Estava tão por baixo que não dava pra pegar a arma e aprontar o salseiro. Só deu um lamento: — Tenho quatro bacuris. O Bereco fez que não escutou.

Recolheu a grana e saiu de fininho. O capacete de lata saiu logo atrás. Ninguém se mexeu. Passou um tempo e veio o estouro. Meio mundo foi ver as rebarbas. No meio da rua, o capacete de lata estava estarrado. Tinha o revólver na mão e uma bala na orelha. Se acabou. O Bereco só teve pena de nunca mais poder dar grupo em trouxa do Cubatão. Perdeu um grande pesqueiro.

7 de agosto de 2010

Uma Brahma! Bem geladinha!


Ele não era mendigo e muito menos um dos bêbados e malucos que andavam pelo Saboó. Era um biscateiro como se dizia, vivia de bicos, ora consertando um encanamento, ora ajudando numa obra, sempre pegando um trabalho aqui e outro ali, sempre sem paradeiro profissional. A vida toda fora assim, preferia isso a ter emprego fixo, trabalhar todo dia, ter patrão ...

Pagava um preço por isso. E sabia muito bem disso. Ás vezes enchia o bolso numa semana e antes de chegar o domingo o dinheiro lhe escapava entre os dedos, juntar era raro, comprar algo para garantir o futuro mais ainda. Mas tinha sua casa, sem escritura, sem nenhum papel, mas todos sabiam que era dele e não havia conta de aluguel, luz ou água para pagar.

Apesar da pobreza nunca dispensou sua cerveja. Encostava no balcão e o braço já parecia acostumado àquele movimento de apoio, devia haver uma espécie de calo sob o braço do Xaíco, tal o número de vezes em que aquele movimento foi repetido. Sempre pedia Brahma, nunca marca inferior, nem superior. Acostumou-se a isso. E acrescentava ao dono do boteco: - Bem geladinha! e devolvia bravo se estivesse mais ou menos.

Vivia assim desde moleque. Estava com 43. Sem mulher, sem saber direito onde viviam os 4 filhos que fizera pelo mundo. O trabalho já não aparecia como antes. Anos atrás chegava a fugir dele, mentia dizendo que tinha pego outros serviços e passava dias até semana toda curtindo praia vez por outra. Mas agora a coisa era outra, o trabalho já não aparecia e ele não tinha muito ânimo de procurá-lo, nunca teve e já estava velho demais para mudar, era o que dizia.

Sem trabalho comia um dia na casa de um, outro dia na casa de outro. Não tinha gastos. Mas faltava o da cerveja. Mas... – Dinheiro... dinheiro não tem ... era o que costumava dizer.

Luizito como sempre fez parava nos botecos, encostava no balcão e com a mesma naturalidade de sempre pedia – Uma Brahma! Sempre acrescentando ... Bem geladinha!

A Brahma vinha, bem geladinha, ele bebia o primeiro gole com aquele prazer que somente os bons bebedores conhecem, aquele prazer do primeiro gole em dia de calor. Bebia uma, às vezes duas ou três, mas não passava disso. Depois saia caminhando devagar.

Não pagava mais.

Das primeiras vezes os donos de boteco da área pensaram que era simples esquecimento, mas não gostaram nem um pouco. E a coisa seguiu. Xaíco chegava e falava – Uma Brahma! Bem geladinha!
A Brahma chegava, ele bebia e ia saindo, sem mais nem menos, nem pedia prá pendeurar, como se beber umas cervejas fosse uma espécie de direito inerente ao ser humano, devia constar na Declaração Universal dos Direitos do Homem...

Os donos de boteco da área começaram a se enfezar - E aí Xaíco! Não vai pagar? Ele olhava e respondia tranqüilamente – Dinheiro não tem...e saía caminhando no seu passo de sempre. Um ou outro perguntava se ele queria pendurar, mas Xaíco só respondia – Não adianta porque... dinheiro não tem...

Isso seguiu por cerca 4 meses. Xaíco revezava os botecos. Cada dia num diferente, mas não deixava de ir a cada um do bairro pelo menos uma vez na semana e continuava pedindo – Uma Brahma! Bem geladinha!

Um dia Xaíco sumiu. Acharam o corpo dele peneirado por 11 balas de uma pistola. Diz a lenda que antes de morrer não suplicou, não correu e nem prometeu pagar. Pediu que o deixasse realizar seu último desejo – Uma Brahma! Bem geladinha! E avisou antes desta vez - Dinheiro não tem ...

O sensível homem que iria realizar o serviço esperou pacientemente que ele bebesse toda a garrafa. Depois conferiu a arma, destravou e soltou azeitona. Saiu tranquilo, pensando no que iria receber e e na Brahma – bem geladinha! - que iria tomar, ali perto mesmo, mas para ele agora – Dinheiro tem sim...

Dizem que quando o corpo de Xaíco chegou no IML, logo ali no Saboó, atrás da favela do Pantanal, um dos empregados gritou - Chegou mais um presunto! Outro, que conhecia o Xaíco respondeu: - Bem geladinho? E os dois caíram na gargalhada.

OBS: Essa história quem me contou foi um grande camarada, morador da área, que assim como Xaíco, encerrou expediente na terra.