6 de julho de 2010

Desabafo de um político corrupto


O PETARDO publica uma carta aberta recebida de um deputado federal que se diz cansado de acusações injustas.

Carta aberta aos eleitores hipócritas

Sou deputado federal e ando cansado de acusações injustas por parte da sociedade, ainda mais em ano eleitoral quando a mídia repercute mais essas queixas infundadas.

Não agüento mais o discurso de que roubamos, somos corruptos parasitas, vivemos às custas da sociedade, pensamos apenas em nossos interesses privados e não temos preocupação pública.

Por isso resolvi escrever e desabafar, mesmo correndo risco de ser um político “impoliticamente correto”. Faço isso porque sou um político consciente, ao contrário da maioria de meus correligionários.

Não pense que vim aqui me defender ou desmentir nenhuma acusação: vim é acusar e revelar a hipocrisia da sociedade.

Estranho para você? Me acompanhe e entenderá.

Eu, como a maioria, nasci e fui criado numa sociedade capitalista, competitiva e que preza muito a realização do indivíduo. Logicamente todo indivíduo nessa sociedade precisa de dinheiro para realizar seus desejos e se tornar uma pessoa mais feliz. Foi pensando nisso meus pais me educaram, e agiram para que minha formação educacional e moral me habilitasse a conseguir dinheiro na sociedade.

Com certeza eu ouvi ensinamentos sobre a ética, a honestidade, a cidadania, o espírito público e coisas do gênero. Mas sempre me garantiram que meus interesses privados de alguma forma gerariam benefícios públicos. E assim, concentrei-me apenas nos meus interesses, em ganhar dinheiro da forma mais fácil e rendosa possível, pois esse seria o passaporte para a felicidade. Sou um típico individualista, como muitos nessa sociedade.

Eu poderia tentar ganhar dinheiro de várias formas; poderia ter sido comerciante, industrial, especulador, banqueiro, ladrão de banco, traficante, alto funcionário público concursado, publicitário, jogador de futebol ou artista. Poderia até mesmo ser um simples trabalhador bem sucedido. É um grande leque de possibilidades e cada um de nós escolhe o caminho que lhe parece melhor para trilhar. Eu escolhi a política, simplesmente porque oferecia boa remuneração e não exigia trabalho árduo. Além disso eu tenho vocação para o ramo.

Até aí nada me diferencia de você. Fui tão ambicioso quanto qualquer outro. Se eu tivesse talento com a bola talvez fosse jogador, mas não tenho e só me diferencia do jogador o caminho em busca do dinheiro que proporciona uma vida melhor.

Ocorre que a profissão de político tem uma particularidade. Tecnicamente ela parece ser uma profissão a mais, com os deveres a cumprir que toda profissão implica. Mas na verdade ela é bem diferente.

Eu existo porque você delega a gestão da sociedade para alguns membros remunerados. Se essa delegação feita num passado tão longínquo foi pacífica ou forçada pouco me importa. O fato é que a sociedade manteve essa delegação até hoje e nada indica que irá alterá-la.

Você está tão preocupado com seus problemas individuais, com sua vida particular que não sobra tempo para pensar e agir nas questões coletivas, sociais. Você se acostumou a isso, se especializou tanto em certas tarefas que debater e decidir sobre questões como saúde, educação, orçamento, transporte, entre outros é uma grande chateação. Afinal, ter preocupações coletivas é uma contradição absurda numa sociedade individualista. Por isso você terceirizou o social e me paga bem para cuidar dele.

Pois bem, é desse estado de coisas que eu vivo e enriqueço. Você que não participa de nada, que não toma parte em nada, no máximo resmunga, e só tem coragem no mundo virtual. É você mesmo que cede o espaço que eu ocupo, é você que me entrega o imposto que eu ganho como salário (razoável até...) e que me entrega a verba que eu desvio também...

Você já parou para pensar nos absurdos que diz sobre mim? Você, que como eu nasceu e se educou numa sociedade individualista, pretende que eu me preocupe com problemas coletivos? Quantas vezes você fez isso na sua vida? Você participa de algum movimento, seja no bairro, no trabalho, na escola? Eu sei que não, você só reclama, você não troca sua vidinha confortável, embora explorada, por nenhum sacrifício em causas coletivas, você nem acredita mais nelas na verdade.

O máximo que você faz é ir a algum ato de vez em quando (se for...), reclamar no bar, escrever algo na internet sem se arriscar. Mas participar de algo regularmente não, arriscar sua liberdade não, arriscar sua medíocre profissão não, arriscar seu cotidiano tranqüilo não. Por isso eu existo!

Falar mal dos políticos! Muitos vivem dessa catarse social. Jornalistas, acadêmicos e artistas até ganham a vida com isso. Os ouvintes e leitores sentem-se vingados. E todos juntos seguem sem nada fazer. Hipocritamente dizem que a crítica pode ser um começo para ação! Sabem que não, que quase sempre é tudo catarse, é mudar no discurso o que não se pode mudar na prática.

A crítica da política é um cachorro correndo atrás do rabo. A sociedade sabe o que os políticos fazem, mas é mais fácil trocá-los do que participar. É mais fácil se iludir sonhando com políticos honestos e corajosos do que reconhecer que quase nada mudará pela própria política. É preciso ser hipócrita porque a verdade doída é que o comodismo da sociedade nos referenda, nós os políticos. É como se a sociedade toda, submersa na corrupção do individualismo exigisse desesperadamente que os políticos fossem uma espécie de elite de integridade e preocupação pública. Como se pudesse emergir pureza da lama.

A política espelha a má consciência da sociedade. É isso que incomoda: a corrupção da política reflete uma sociedade em que cada se preocupa apenas com seus interesses. A perversidade invisível dos roubos do mercado torna-se visível com a política. A verdade é que a sociedade não quer se ver representada na política, imagina que a política corrompe a sociedade quando ela na verdade apenas traduz uma realidade.

Quando a sociedade insiste em negar que a política seja sua imagem refletida, ela reafirma as mesmas formas da política atual. A cada quatro anos acalenta o sonho de que trocando pessoas tudo poderá mudar. Depois vem a síndrome do corno, como se a traição dos políticos eleitos não fosse o resultado óbvio, como se o traído não contribuísse para a traição.

Mas isso tem sua razão. Insistir no sonho e na traição é a solução mais cômoda para quem está tão pré-ocupado com sua própria vida que não tem outra solução a não ser delegar e esquecer.

Quando você me condena, em nome do interesse público, você reclama o seu interesse individual: seu poste de luz, seu asfalto, seu ônibus, seu remédio; pois o seu “interesse público” é seu, e essa bela palavra só serve para você afirmar seu interesse individual.

Veja como somos parecidos! Eu me elejo em nome do interesse público e você reclama em nome do interesse público, mas nós dois, estamos buscando somente o nosso interesse individual.

Eu na verdade sirvo a você! Eu, político, permito que você, que é omisso e inerte, deposite sobre mim a culpa pelas mazelas e siga sem nada fazer. Eu permito que você siga sua vidinha de merda e pense que cumpriu sua obrigação cidadã teclando numa urna a cada 2 anos. Eu existo para que você possa aliviar sua consciência.

Eu me exponho na berlinda, humilhado publicamente como supra-sumo da sujeira para que você se sinta limpo. Que preço isso tem? E você espera que eu não cobre por isso?
Você entregou o galinheiro à raposa! Não condene minha fome.

Eu não deveria escrever essa carta, deveria deixá-lo feliz com seus resmungos de comadre fofoqueira que nada faz. Para mim seria mais cômodo, eu aqui, ganhando bem legalmente e ilegalmente, você aí, se fudendo e resmungando.

Mas com essa carta eu ponho fim à hipocrisia. E você? Vai reagir hipocritamente, seguir me criticando e sonhar com um novo eleito? Ou vai se calar, cuidar da sua vida e parar de encher o saco? Uma coisa me parece certa: você não será capaz de fazer nada.

2 comentários:

  1. Só retificar que deputado trabalha e muito. Acho que o autor se equivocou neste aspecto, mesmo o suposto deputado corrupto trabalha muito.
    De resto, achei um texto senso comum para nosso público. Talvez choquem pessoas com outro perfil.

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